FILHO E NETO DE GUAXUPEANOS, RIBEIRO LEÃO É O PRIMEIRO BRASILEIRO ELEITO PRESIDENTE DO COMITÊ DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS PELA ONU
Por ROSÂNGELA FELIPPE, jornalista
Filho dos guaxupeanos, Sertório Ribeiro Fernandes Leão (Engenheiro Agrônomo) e Maria Pia Zerbini Ribeiro Leão (Professora e Pianista), Renato Zerbini Ribeiro Leão nasceu em Brasilia (DF). É casado com a arquiteta Giannina Picado Maykai, com quem tem três filhas: As estudantes Renata, Beatriz e Manuela.
Renato Leão tem formação acadêmica admirável: Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB); Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (CEUB); Advogado; Mestre em Relações Internacionais pela UnB; Doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais pela Universidad Autónoma de Madrid. incluindo diversos cursos complementares. Domina fluentemente os idiomas: Portuguès, Inglês e Espanhol. Compreende bem o Francês e razoavelmente o Italiano.
Atualmente, é membro do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (CDESC/ONU) e Membro da Junta Diretiva do Instituto Interamericano de Direitos Humanos de San José da Costa Rica (IIDH).
Advogado especializado em proteção internacional da pessoa humana (conflitos armados, direitos humanos e direito dos refugiados), direitos sociais e direito constitucional, possui experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Estrutura e Transformação do Estado. Foi Coordenador-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados do Brasil - CONARE (2009-2012).
Renato Leão atuou, também, como pesquisador associado, professor substituto e voluntário da Universidade de Brasília (UnB). Professor Titular da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Professor do Mestrado em Ciência Política do Centro Universitário Euro-Americano (UNIEURO), ministrando a disciplina Direitos Humanos e Cidadania. Consultor jurídico para o Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR. É autor de diversos livros e de artigos publicados em jornais e revistas (citados no final desta entrevista).
RENATO ZERBINI RIBEIRO LEÃO E GUAXUPÉ
Entre Renato Leão e Guaxupé existe um forte elo: A família. Renato preserva lembranças de tempos passados quando visitava a cidade. Nesta entrevista descreve com detalhes alguns desses valorosos momentos. Sempre calmo e bem-humorado, Renato expressa simpatia e serenidade. Atendeu a Revista Mídia com a gentileza que lhe é peculiar quando lhe foi manifestado o interesse em realizar esta matéria. Paciente e minucioso, apesar do trabalho dinâmico que realiza ocupando um importante cargo na ONU e, também, como professor universitário (Centro Universitário de Brasília – CEUB), dedicou-se à entrevista com grande entusiasmo em se comunicar com Guaxupé.
Durante nossos diálogos, realizei uma prazerosa viagem ao passado. Não teve como não recordar de seu benévolo avô paterno, Dr. Artur Leão, cuja amizade com o meu pai, Dr. Espir Felippe da Silva, revelava-os como verdadeiros irmãos e confidentes. Ambos foram parceiros no exercício da advocacia e professores na Academia de Comércio São José. Portanto, esse contato com Renato Leão, além da satisfação em entrevistá-lo e conhecer profundamente seu valor no âmbito profissional, pude sentir o quanto é inestimável sua íntegra personalidade plantada, certamente, pelas mãos de seus entes queridos, sobretudo de seu pai Sertório Leão, um amigo o qual estimo e respeito incontestavelmente, e de sua saudosa mãe, Maria Pia Zerbini.
Não é de se surpreender com o carinho e admiração com os quais seus tios, tias, sobrinhos e primos falam sobre sua pessoa. Renato Zerbini Ribeiro Leão é o emblema fiel das famílias guaxupeanas sempre unidas pela afeição, solidariedade e pela cortesia verdadeiramente mineiras. Com ele, pude sentir novamente o sabor e o aroma do café de sua inesquecível avó paterna, Dona Seta, quando meu pai se reunia com Dr. Artur em sua casa na Rua Tiradentes, enquanto eu, ainda criança, permanecia entre eles no escritório ouvindo suas conversas incompreensíveis para mim, porém, as palavras soavam maravilhosamente aos meus ouvidos. Esse encontro com Renato foi como ouvir novamente as vozes dos velhos amigos que deixaram em minha vida marcas inalteráveis de amor e saudade. Sim, eles continuam presentes. A janela do escritório da Rua Tiradentes mantém-se aberta para o sol entrar. De alguma maneira eles prosseguem trocando a infinda amizade que sempre os entrelaçou.
VOCÊ É O PRIMEIRO BRASILEIRO ELEITO PRESIDENTE DO COMITÊ DE DIREITOS HUMANOS, SOCIAIS E CULTURAIS PELO CONSELHO ECONÔMICO E SOCIAL DAS NAÇÕES UNIDAS. QUAIS SÃO SUAS RESPONSABILIDADES NA OCUPAÇÃO DESTE CARGO?
É uma honra muito grande essa coincidência histórica em ser o primeiro brasileiro no Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) das Nações Unidas. Trata-se de um órgão internacional do sistema ONU que está conformado por 18 especialistas independentes. O Comitê aplica, interpreta e monitora o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC): um tratado internacional que protege direitos importantes como saúde, educação, cultura, moradia, trabalho, sindicalização, igualdade entre homens e mulheres, ciência, proteção e assistência à família, dentre outros, sempre em consonância com o princípio da igualdade e não discriminação. Todos os Estados Partes no PIDESC estão obrigados a submeter relatórios ao CDESC sobre a implementação e aplicação dos direitos dispostos no Pacto. O primeiro relatório deve ser enviado ao cabo dos dois anos iniciais da vigência do PIDESC. Depois, a cada cinco anos deverão ser encaminhados seus relatórios de seguimento àquele relatório pioneiro. O CDESC examinará cada relatório, celebrará um diálogo construtivo com os Estados partes e a eles endereçará suas preocupações e recomendações na forma de observações conclusivas. Nós, os 18 especialistas, somos os encarregados de dialogar construtivamente com esses países, manifestando nossas preocupações e recomendando políticas públicas capazes de afirmar esses direitos mediante documentos oficiais. Importante destacar que, desde 2013, com a entrada em vigência do Protocolo Facultativo ao PIDESC, o Comitê está facultado para apreciar comunicações individuais envolvendo pretensas violações aos direitos contidos no PIDESC. O quarto artigo do regulamento do Protocolo diz que as comunicações poderão ser apresentadas por pessoas ou grupos de pessoas que se encontrem sob a jurisdição de um Estado parte, alegando serem vítimas de uma violação a qualquer dos direitos enunciados no Pacto. Esse fato confere um posicionamento especial ao CDESC com relação aos demais órgãos internacionais não judiciais e, também, judiciais de proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais. A possibilidade da cidadania dos Estados partes no Protocolo Facultativo ao PIDESC denunciarem individualmente seus países alça o CDESC como o único órgão internacional, na atualidade, capacitado para receber denúncias individuais referentes à violação dos direitos econômicos, sociais e culturais contidos no Pacto. O Brasil, por exemplo, é Estado parte do PIDESC, mas ainda não celebrou o seu Protocolo Facultativo, razão pela qual brasileiros e brasileiras ainda não podem encaminhar denúncias individuais ao CDESC. Por isso, o Estado brasileiro, no presente momento, está obrigado a cumprir o disposto no artigo 16 do Pacto, isto é, apresentar os relatórios sobre as medidas que tem adotado, bem como os progressos realizados, de cara a assegurar o respeito aos direitos contidos no PIDESC. Assim sendo, após o diálogo construtivo com o Comitê, este publicará suas observações conclusivas, com preocupações e recomendações, as quais deverão ser acatadas pelo Brasil. Nesse sentido, importante destacar que em 04/06/2020 o Estado brasileiro encaminhou o seu Terceiro Relatório de Seguimento para o CDESC . Será este documento que o Comitê tomará como base para o diálogo construtivo que deverá ser celebrado em 2022, a depender do calendário interno que emergirá dos efeitos da pandemia sobre os trabalhos dos órgãos de supervisão dos tratados de direitos humanos do sistema das Nações Unidas.
Em minha função como Presidente do Comitê tenho de coordenar todo esse trabalho em Genebra, presidir essas sessões de diálogos com os Estados partes do PIDESC, e representar o Comitê na reunião de presidentes que acontece em Nova Iorque, na ONU, geralmente em cada mês de junho.
Senão ainda, nesse momento de excepcionalidade pandêmica, a função de presidente reveste-se de maior importância já que temos de encarar um dos maiores desafios sanitários de toda a história humana. E com o apoio de meus colegas do Comitê pudemos aprovar documentos essenciais para o enfrentamento da Covid-19 à luz dos direitos humanos. Cito particularmente: a Observação Geral número 25 de 2020, relativa à ciência e os DESC; bem como a Declaração da pandemia por Coronavírus (Covid-19) e os DESC de 17 de abril de 2020; a Declaração sobre o acesso universal e equitativo às vacinas da Covid-19 de 27 de novembro de 2020; e a Declaração sobre vacinação universal acessível para Covid-19, cooperação internacional e propriedade intelectual de 12 de março de 2021. Todos estes e vários outros disponíveis na página eletrônica do CDESC: HYPERLINK “https://www.ohchr.org/en/hrbodies/cescr/pages/cescrindex.aspx” https://www.ohchr.org/en/hrbodies/cescr/pages/cescrindex.aspx .
SEIS MESES EM GENEBRA (SEDE DA ONU), SEIS MESES NO BRASIL (BRASÍLIA). ASSIM TEM SIDO SUA VIDA HÁ ANOS. POR QUAL RAZÃO OCORRE ESSE CONSTANTE DESLOCAMENTO NA REALIZAÇÃO DE SEU TRABALHO NO COMITÊ?
É porque o CDESC, seus 18 membros, reúnem-se em Genebra, em períodos de sessões anuais, geralmente nos meses de fevereiro/março, junho/julho e setembro outubro, adotando sua interpretação das disposições do PIDESC em forma de observações gerais. Também emite cartas e declarações sobre os mais variados assuntos de necessidade para a afirmação dos DESC na seara internacional. Os 18 membros do Comitê representam as áreas geopolíticas que conformam a ONU: América Latina e Caribe; África; Ásia; Europa Ocidental, EUA e Canadá; e Leste Europeu. Assim sendo, o nosso ponto de encontro é a ONU em Genebra e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que agora está dirigido pela anterior presidenta chilena, a Sra. Michelle Bachelet, nos presta todo o apoio logístico e secretarial para o funcionamento do CDESC.
COMO ADVOGADO ESPECIALIZADO NA PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA, EM DIREITO INTERNACIONAL, DIREITOS SOCIAIS E EM DIREITO CONSTITUCIONAL, VOCÊ TAMBÉM ATUA COMO PROFESSOR VOLTADO A ESSES TÓPICOS. O QUE O LEVOU A SE DEDICAR AO ENSINO?
A educação está no âmago da minha família. Meu pai aposentou-se como professor universitário, na Universidade de Brasília. Minha mãe foi professora nas escolas classes modelos de Brasília e também de música, piano. Meu irmão é professor de artes marciais. Três tias queridas também ensinam: Tia Lena Ribeiro Leão, Tia Nica Zerbini Leão e Tia Noemia Zerbini Leão. Portanto, um legado e uma condição natural.
EM UMA ENTREVISTA PARA A ONU NEWS, VOCÊ MENCIONA A CONFIANÇA ENTRE PAÍSES LUSÓFANOS (PAÍSES ONDE SE FALA O IDIOMA PORTUGUÊS). A QUE SE REFERE ESSA SUA DECLARAÇÃO?
Quando fui eleito presidente do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU foi-me feito essa pergunta por parte da rádio lusófona da ONU. É natural, no âmbito geopolítico da ONU, que países com tradições culturais comuns se apoiem mutuamente. E assim é com os países de língua portuguesa.
RECENTEMENTE, A ONU DESENVOLVEU PROJETO EM SAÚDE E BEM ESTAR PARA OS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL. JÁ É POSSÍVEL AVALIAR COMO TEM SIDO O DESENROLAR DESSE PROGRAMA A FAVOR DESSAS COMUNIDADES?
Desde a chegada dos primeiros europeus às Américas, os povos indígenas lutam pela sua sobrevivência. Foram povos conquistados e subjugados. As consequências resultantes desse processo persistem até hoje. Trata-se de uma luta histórica pela sobrevivência e cujo legado civilizatório acumulado ainda não permite a essas comunidades desfrutarem de suas raízes culturais e históricas. Há ainda muita discriminação e ignorância sobre os povos indígenas. Até mesmo gente que tem diploma universitário acha que eles devem se adaptar plenamente ao modelo de sociedade vigente. Os povos indígenas e o meio ambiente possuem um anel interativo inquebrantável. Preservando-os e protegendo-os também se fará o mesmo com o meio ambiente. Durante a pandemia, as comunidades indígenas no Brasil foram severamente afetadas e muito pouco, ou quase nada, tem sido feito pelo Estado brasileiro para atender especialmente aos povos indígenas. Essa avaliação é um processo constante e cujos resultados serão escancarados no dia em que o Brasil for capaz de compartilhar informações fidedignas e transparentes em prol dos povos indígenas.
RELATE ALGUNS DE SEUS ESFORÇOS CRUCIAIS NA LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS.
Na esteira da pergunta e resposta anterior, quando em 1994 comecei minha trajetória na proteção internacional dos direitos humanos, fui justamente o Oficial de Programas para Povos Indígenas e Direitos Humanos do Instituto Interamericano de Direitos Humanos de San José da Costa Rica. Nessa condição, fui um dos juristas que participei das discussões e recopilações técnicas que resultariam no que é hoje a Declaração Interamericana sobre o Direitos dos Povos Indígenas da OEA. Também participei, pelo IIDH, na avaliação da Missão das Nações Unidas para Guatemala, tendo sido um dos encarregados de analisar o programa de retorno dos guatemaltecos que se encontravam no México. Finalmente, em janeiro de 1997, a Paz da Guatemala foi assinada. Entre 1998 e 2004, fui consultor jurídico do Escritório para o Sul da América Latina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), função que me permitiu coordenar um processo de harmonização legislativa no Mercosul sobre refúgio com base na Lei 9.474/97 do Brasil. Hoje em dia todos os países do Mercosul tem uma Lei ou Decreto Lei sobre refúgio. Entre 2009 e 2012 fui o Coordenador Geral do Comitê Nacional para os Refugiados do Brasil (CONARE) o órgão de elegibilidade da condição de refugiado no Brasil criado pela Lei de 1997. Nessa função, contribui a consolidar o Brasil como um dos países de legislação e jurisprudência mais humanitariamente avançadas na temática do refúgio em todo o mundo. E, desde 2010, venho desempenhando minhas funções como membro do CDESC das Nações Unidas.
HÁ INÚMEROS ARTIGOS SEUS PUBLICADOS NA REVISTA IBDH (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIRETOS HUMANOS). QUAIS ESFERAS DOS DIREITOS HUMANOS VOCÊ MAIS ENFATIZA EM SEUS TEXTOS?
Meus escritos centram-se nas três vertentes da Proteção Internacional da Pessoa Humana, uma das ramas do direito internacional público que compreende o direito internacional dos conflitos armados, o direito internacional dos direitos humanos e o direito internacional dos refugiados. Mais especificamente, gosto de aprofundar a análise dos direitos econômicos, sociais e culturais em cada uma dessas vertentes. Também, analisar e publicitar a complementaridade, indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos. Finalmente, escrevo muito sobre a subjetividade internacional do indivíduo, isto é, o ser humano como sujeito de direito internacional público.
A COVID-19 ACENTUOU AS DESIGUALDADES DE GÊNEROS JÁ EXISTENTES, AUMENTANDO A VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES. O FÓRUM GERAÇÃO IGUALDADE (ENCONTRO GLOBAL CENTRADO NA SOCIEDADE CIVIL PARA A IGUALDADE DE GÊNERO, CONVOCADO PELA ONU MULHRES E CO-ORGANIZADO PELOS GOVERNOS DO MÉXICO E FRANÇA, LANÇOU UM MODELO GLOBAL PARA COMBATER ESSA BRUTALIDADE QUE MARTIRIZA PESSOAS DO SEXO FEMININO. EVENTOS DESSA NATUREZA ENVOLVEM SUA ATUAÇÃO NO CARGO QUE OCUPA NA ONU?
Sim, sem dúvidas. O CDESC supervisiona a igualdade de direitos para os homens e as mulheres, à luz do art. 3 do PIDESC; e a proteção e assistência à família, em consequência do art. 10 do mesmo Pacto. Assim sendo, temos uma atenção especial para o combate da chaga da violência de gênero e sempre cobramos do Estados Partes do PIDESC ações efetivas para erradicar as desigualdades de gênero e a violência contra as mulheres, inclusive punindo quem as pratica. Ademais, nesse momento de excepcionalidade pandêmica, solicitamos ações especiais e redobradas para o combate a essa violência cujos números aumentaram significativamente.
QUANDO ATUAM NOS PAÍSES EM REPRESENTAÇÃO À ONU, MUITAS VEZES VOCÊS, OS REPRESENTANTES, SÃO TRANSPORTADOS EM CARROS BLINDADOS COM PLACAS AZUIS, ALÉM DE SEREM ESCOLTADOS POR OUTROS CARROS PORTANDO SEGURANÇAS. TRATA-SE DE CAUTELA SUBSTANCIAL EM SUA POSIÇÃO DENTRO NA ONU. EM GENEBRA E EM BRASÍLIA TAMBÉM SÃO NECESSÁRIOS TODOS ESSES APARATOS DE PROTEÇÃO?
Essas necessidades são próprias de países que experimentam violências institucionalizadas e deterioração do Estado Democrático de Direito. Felizmente, em Brasília e Genebra ainda não foi necessário um carro desses.
FAZ PARTE DA SUA ROTINA PROFISSIONAL NA ONU PARTICIPAR DE EVENTOS DE GALA EM DIVERSOS PAÍSES. COM ISSO, NO CUMPRIMENTO DE REGRAS PROTOCOLARES, VOCÊ TEVE A OPORTUNIDADE DE DANÇAR COM CELEBRIDADES COMO: RAINHAS, PRIMEIRAS-DAMAS, CHEFES DE ESTADO MULHERES, ENTRE OUTRAS. CONTUDO, POR UMA QUESTÃO DE ÉTICA, OS NOMES NÃO PODEM SER REVELADOS. SERIA VIÁVEL QUE, FUTURAMENTE, VOCÊ POSSA VIR A NARRAR TAIS EPISÓDIOS E NOMES DAS REFERIDAS PARCEIRAS DE DANÇA EM UM LIVRO AUTOBIOGRÁFICO?
A diplomacia humanitária às vezes tem uma dimensão realmente considerada glamourosa pelo grande público. Atores e atrizes do cinema, esportistas, músicos, reis, rainhas, presidentes e figuras públicas apadrinham causas e gostam de estar próximos de pessoas que atuam no terreno. Sim, estive com algumas dessas figuras mundialmente conhecidas. Dancei com mais de uma. Modéstia à parte, fui um bom dançarino de salsa e merengue em meus tempos caribenhos da América Central. Aliás, sempre gostei de dançar e quando cheguei na Costa Rica matriculei-me em uma das mais prestigiosas escolas de dança do Caribe. Mas, desde uma ética profIssional, nunca comentamos sobre esses momentos e as pessoas que deles participam a não ser que elas primeiramente divulguem o acontecido.
Pessoalmente, o que gostaria de ressaltar é que meus dotes de dançarino também puderam ser, por várias vezes, compartilhados com minhas tias e primas em nossas celebrações em Guaxupé.
APÓS TANTAS EXPERIÊNCIAS E OPORTUNIDADES RARAS EM SUA CARREIRA NA ONU, VOCÊ TRANSMITE FORTE SIMPATIA EM SUA MANEIRA DE TRATAR AS PESSOAS. SEMPRE ATENCIOSO, DE FORMA SIMPLES E GENTIL, FAZ COM QUE TODOS SE SINTAM À VONTADE EM SUA COMPANHIA. QUAL A FÓRMULA DE TANTO DESPOJAMENTO, UMA VEZ QUE, MUITOS EM SEU LUGAR ASSUMIRIAM UMA POSTURA SOBERBA E PRESUNÇOSA?
Obrigado! Sabe. acho que o segredo está em estreita conexão com os valores que aprendi em casa com meu pai, minha mãe, avós e tias. Portanto, se há um segredo ele está com uma forte raiz guaxupeneana. Até hoje meu pai vive falando que “ninguém é mais importante do que ninguém”. As pessoas e casas com quem sempre me relacionei estão abertas para todo mundo. Essa pergunta me pegou de surpresa e me remete a um querido colega europeu das Nações Unidas quem me disse que uma das minhas características que ele mais admira é a de que eu trato “igual a todas as pessoas, seja o pessoal da limpeza, o copeiro do restaurante, a secretária, um embaixador, um Alto Comissário ou um Presidente de um país qualquer. O tratamento é sempre igual, seja quem seja.” Assim realmente sou.
DE ACORDO COM O SEU MODO DE ANALISAR O MUNDO, HÁ DE CHEGAR O DIA EM QUE OS DIREITOS HUMANOS PODERÃO SER FAVORÁVEIS A TODOS OS POVOS?
Os direitos humanos são de todos e para todos. Nenhuma ideologia, sistema político ou religião tem seu monopólio, apesar dos direitos humanos protegerem com que cada pessoa tenha a sua ideologia, opinião política ou religião. Eles são complementares, indivisíveis e universais: pela simples existência do ser-humano, são um todo harmônico, possuem uma dependência recíproca de maneira que se complementam em si mesmos, devendo ser protegidos pelos países em toda e qualquer circunstância. Em consequência, de igual maneira, os direitos civis e políticos, bem como os direitos econômicos, sociais e culturais impõem aos Estados três classes de obrigações distintas: a de respeitar, a de garantir e a de satisfazer. A primeira exige dos Estados que se abstenham de ingerir-se no gozo desses direitos. A segunda exige que os Estados se oponham às violações desses direitos por terceiros. A terceira exige dos Estados a adoção de disposições legislativas, administrativas, orçamentárias, judiciais e de outra índole capaz de promover o pleno exercício desses direitos.
A afirmação e o legado desses conceitos e valores são frutos de educação, formação humanitária, consciência civilizatória e cultura universal.
ATUALMENTE, QUAIS TÊM SIDO SUAS PRINCIPAIS AÇÕES COMO PRESIDENTE DE COMITÊ DA ONU?
Desde março de 2020, o CDESC está concentrado no enfrentamento da Pandemia de Covid-19. Focamos na elaboração e aprovação de documentos capazes de contribuir ao enfrentamento da Pandemia à luz dos direitos humanos, com atenção especial aos direitos econômicos, sociais e culturais.
Conforme dito ao final da resposta à pergunta nª1, com o apoio de meus colegas do Comitê pudemos aprovar documentos essenciais para o enfrentamento da Covid-19 à luz dos direitos humanos. Cito particularmente: a Observação Geral número 25 de 2020, relativa à ciência e os DESC; bem como a Declaração da pandemia por Coronavírus (Covid-19) e os DESC de 17 de abril de 2020; a Declaração sobre o acesso universal e equitativo às vacinas da Covid-19 de 27 de novembro de 2020; e a Declaração sobre vacinação universal acessível para Covid-19, cooperação internacional e propriedade intelectual de 12 de março de 2021. Todos estes e vários outros disponíveis na página eletrônica do CDESC: HYPERLINK “https://www.ohchr.org/en/hrbodies/cescr/pages/cescrindex.aspx” https://www.ohchr.org/en/hrbodies/cescr/pages/cescrindex.aspx.
FALE SOBRE SUA RELAÇÃO COM GUAXUPÉ, MELHORES LEMBRANÇAS JUNTOS AOS FAMILIARES E A MAIOR LIÇÃO DE VIDA A QUAL PÔDE EXTRAIR DESTA CIDADE.
Eu tenho Guaxupé como sinônimo de família, queridos amigos, férias, aventuras e natureza. Portanto, muito do que tem de melhor em mim foi lá forjado. Sou Zerbini Ribeiro Leão, três sobrenomes que, no meu caso, emergiram de Guaxupé para Brasília e o mundo. Mesmo a casa de meus avós em Brasília, Hugo Leão e Graciana Zerbini (Pequetita), era uma espécie de Embaixada de Guaxupé na Nova Capital da República. Muitos guaxupeanos nela se abrigaram. Era uma casa sempre pulsante. Nasci em Brasília em 1970 e como bom brasiliense daquela época passava três meses do ano na casa dos avós que não moravam em Brasília. No meu caso, Artur Leão (sim, meus pais Sertório e Maria Pia são primos de primeiro grau por parte de pai, pois meus avós paternos eram irmãos) e Conceição Ribeiro do Valle (Vó Seta) moravam em Guaxupé. Como de praxe, passava o dia 25 de dezembro na casa dos avós brasilienses para que no dia 26 rumássemos, de madrugada, para Guaxupé, lá permanecendo até depois do carnaval e antes do início das aulas, ou seja, final de fevereiro ou início de março.
A odisseia começava em dezembro... a Tia Impa (Olimpia Mariano, também de Guaxupé, que veio com meus avós para Brasília) embalava duas gigantescas pernas do peru de Natal para que levássemos na viagem de Belina do dia seguinte rumo à Guaxupé, cuja duração média era de 12 horas. Até hoje guardo na lembrança a linda imagem de Guaxupé se apresentando logo depois de Guaranésia. Geralmente, esta vinha harmonizada com um cândido sol e uma trilha sonora que acompanhava a idade cronológica de meu irmão Renan e minha. A chegada na Rua Tiradentes 31, na casa dos avós em Guaxupé, era sempre uma alegria, pois ademais deles, nos aguardavam a Mira, tios e uma meninada. Os primos e primas nos apossávamos do porão, onde a Raquel e o Lucas, muito próximos e queridos, já preparavam o espaço para o rebento da primaiada. Muita gente preciosa!
Particularmente, dado a minha faixa etária, em Guaxupé convivia muito com o Luizinho (meu primo Luiz Vicente Leão Calicchio), o Toni (Antônio Cássio Calicchio Pagnano) e o Mário Neto (filho do Zé Carlos Magalhães e da Rosa de Valle, falecido em um trágico acidente aéreo em 1988). O Luizinho e o Toni inclusive, em 1998, estiveram em meu casamento na Costa Rica, já que eles foram os meus padrinhos. E certamente, o Mário Neto também marcou presença por lá.
Em Guaxupé vivenciávamos muito a família. Um legado muito apreciado pelos meus pais. A casa de meus avós era um santuário de aventuras, festas, surpresas, histórias e estórias para todos que ali estávamos. Peripécias estas divididas com as nossas estadias na fazenda de meus avós, a Pau D`Alho. Nela há uma mangueira com os nomes de vários dos primos esculpidos. As distintas atividades eram sempre multitudinárias.
Famílias queridas também foram edificadas. É o caso dos Calicchios, família pela qual nutro um carinho especial já que com eles muito convivia em razão de minha Tia Zélia, irmã do meu pai, ser casada com o Tio Luiz Vicente Calicchio, tios queridos e pais de 6 fraternos primos. Incontáveis celebrações, festas de Ano Novo e muitas partidas de futebol foram celebradas na Chácara Calicchio. Também, a casa dos Tios Bub e Vera Lia, na Fazenda Nova Floresta, primos muito próximos aos meus pais e que se queriam muito. E como não, a Chácara Zerbini, onde minha mãe e meu pai faziam questão de semanalmente visitar a Tia Zinha e sua grande família. Senão ainda, vários outros parentes e amigos que sempre nos acolheram com muita estima e consideração. Quando eu era criança a sensação que eu tinha era a de que todo mundo em Guaxupé era parente. Até hoje mantenho contato com vários representantes desses clãs, o que me permite enfronhar toda essa memória afetiva.
Aos 19 anos, já estudando direito e relações internacionais, ademais do acometimento impiedoso de minha mãe por uma severa artrite reumatoide, a intensidade de minhas idas a Guaxupé diminuíram. Em 1994, já formado, comecei meu exercício profissional no exterior, em Costa Rica, onde vivi por quatro anos. Depois, já foram outros 16 anos pela Europa, o que fez diminuir muito a minha presença em Guaxupé.
Uma grande lição que extrai de minha convivência em Guaxupé é a de que pertencemos todos a uma grande família, a uma mesma espécie e que o futuro de todos nós está inexoravelmente conectado. A família, as amizades e as lembranças são pilares importantes para o ser-humano. Há um passado que nos une e um presente que devemos construir para alicerçar um futuro sustentável às gerações vindouras. Não somos estáticos, evoluímos. Somos diversos, fraternos e plurais. O objetivo de toda geração deve ser o de tornar a seguinte melhor ainda. Os valores adquiridos e fortalecidos em Guaxupé, suas belas lembranças, certamente foram motivações para o meu exercício profissional, que está fincado na afirmação da dignidade humana na sociedade internacional, à luz dos direitos humanos, da fraternidade dos povos, da diversidade, da pluralidade e da paz duradoura.
Livros de autoria de Renato Leão
“Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na América Latina e o Protocolo de San Salvador”
“O Reconhecimento dos Refugiados pelo Brasil: Memória Anotada, Comentada e Jurisprudencial do Comitê Nacional para os Refugiados” – CONARE
“La Construncción Jurisprudencial de los Sistemas Europeo e Interamericanos de Protección de los Derechos Humanos en Materia de Derechos Económicos, Sociales y Culturales”
“O Brasil e o Direito da Juventude”
“O Cinquentenário dos Dois Pactos de Direitos Humanos da ONU”
Alguns artigos
recentemente publicados:
“Pueblos Indígenas, Globalización y Derechos Humanos” – (Meridiano 47 – Journal of Global Studies)
“Os refugiados no Mundo” – (Jornal do Comércio, Recife)
“O Direito Internacional dos Povos Indígenas” – (Revista Consulex)
“Os Direitos Humanos como Elemento Essencial da Sociedade Internacional Contemporânea” – (IBDH)
“A Erradicação da Pobreza Extrema à Luz dos Direitos Humanos” – (Correio Braziliense)
“Direito à Cultura” – (Correio Braziliense)
“A Educação como Direito Humano Fundamental e Universal” – (Correio Braziliense)
“As Cidades e o Nosso Futuro Comum” – (Correio Braziliense)
“Futebol: Magia e Poder” – (Correio Braziliense)
“A Arte” – (Correio Braziliense)
“A Prevenção Pandêmica e Um Legado Geracional” – (Correio Braziliense)
“Pandemia de Coronavírus: Um Teste para a Transparência de Instituições e Agentes Políticos” – (O
Estado de São Paulo)
“Multilateralismo: Resposta Necessária para Enfrentar a Pandemia” – (Nexo Jornal)
“É a Ciência um Direito Humano?” – (RBDH)
“A Vacina, a Propriedade Intelectual e os Direitos Humanos” – (Correio Braziliense)
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