Sou Renata Ribeiro do Valle Gonçalves, tenho 41 anos, Engenheira Cartógrafa e pesquisadora. Sou a filha mais velha do Coelho e da Flávia, irmã do Guilherme e da Raquelzinha. Minha infância em Guaxupé foi muito boa, tive o privilégio de viver em uma cidade pequena e na fazenda. Cresci em meio a natureza, sentindo o cheiro do cafezal. Lembro de brincar no terreirão de café na época da colheita, de fazer piquenique na mata, de andar de bicicleta por toda a Nova Floresta. Meu avô Salles me ensinou desde criança a dar valor no canto dos passarinhos, a apreciar a flores e a cuidar da natureza.
Meus pais sempre me ensinaram a dar valor nos estudos. Estudei no Colégio Dom Inácio, minha mãe era professora física da escola, a famosa Dona Flávia. Lembro até hoje da minha mãe preparando provas para os alunos e meu pai ajudando-a. Quando eu era pequena ele ajudava a fazer prova no mimeógrafo e depois quando mais velha no computador. Em casa os estudos sempre foram prioridade, quando não entendia a matéria eles sempre estavam lá para me ajudar. Tenho certeza que além dos meus pais, todos os professores que me deram aula foram de extrema importância para a minha formação básica, as feiras de ciência com tantos experimentos também foram importantes. Foi na escola que fiz grandes amigas, hoje estou um pouco distante delas, mas estão guardadas dentro do meu coração.
Em fevereiro de 2000, um dia depois do nascimento da Raquelzinha, saiu o resultado do vestibular, eu tinha sido aprovada na faculdade. Confesso que foi um momento de insegurança por deixar minha família e minha irmã recém-nascida, mas encarei o desafio e fui morar a 600km longe de casa. Em Presidente Prudente fui cursar Engenharia Cartográfica na Unesp. Isso, sou engenheira cartógrafa, todos me perguntam: nossa! Que curso é esse?
Nesse curso faço mapas de cidades e da área rural, mapas de solo e de vegetação, mapas de temperatura e chuva, mapas do Brasil e do mundo, mapas de tudo. E essa paixão por mapas surgiu na infância quando ia no escritório do meu pai na fazenda e via os mapas pendurados na parede e as fotografias aéreas com as áreas dos cafezais, matas, açudes, ficava horas observando e analisando cada detalhe. O curso de engenharia cartográfica é um curso bem complexo, aprendemos a fazer cálculos mais exatos do raio e da curvatura da Terra.
Aprendemos que a Terra é um geoide e a forma geométrica que usamos para representá-la é um elipsoide. Além das matérias básicas da engenharia tive aula de trigonometria esférica, aerofotogrametria, sensoriamento remoto, astronomia, geodésia, sim, matérias bem diferentes das outras engenharias. No último ano do curso decidi que queria trabalhar com mapeamento de áreas agrícolas e fui fazer o estágio obrigatório na Embrapa, que fica sediada na Unicamp, e foi no estágio que tive contato com professores da Unicamp. Descobri que na Faculdade Engenharia Agrícola tinha a área que eu gostava, que era sensoriamento remoto e agricultura.
Não tive dúvidas, me inscrevi no mestrado. Em 2006, passei no mestrado na Unicamp e me mudei para Campinas. Desenvolvi minha dissertação de mestrado usando imagens de satélites para monitorar e prever safras de cana-de-açúcar. Assim que defendi o mestrado, já ingressei no doutorado para dar sequência nos meus estudos. No doutorado trabalhei com análise de séries temporais de imagens de satélites meteorológicos e mineração de dados climáticos e dados da cultura de cana-de-açúcar para entender como é o comportamento da cana-de-açúcar em relação a falta ou excesso de chuva e aumento da temperatura. Fiz modelos de previsão de produtividade da cana-de-açúcar considerando os cenários futuros de mudanças climáticas. Em 2013, um ano antes de finalizar o meu doutorado passei no concurso na Unicamp, no Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas a Agricultura (Cepagri).
No início de 2023 completei dez anos de trabalho no Cepagri/Unicamp e 23 anos que deixei Guaxupé. Durante essas duas décadas pude aprender muito, tanto pessoalmente quanto profissionalmente. Encarei muitos desafios. Após minha defesa de doutorado, fui indicada para assumir a direção do Cepagri. Fui diretora por duas gestões (2014 a 2020) e hoje sou diretora associada (gestão 2020-2023). Durante esses anos de trabalho coordenei a compra de um sistema de recepção de imagens de satélites meteorológico de última geração, o qual recebemos imagens de um terço da Terra a cada dez minutos, cobrindo as Américas, os Oceanos Pacífico e Atlântico. Criei e coordeno o Laboratório de Processamento de Imagens e Dados de Sensoriamento Remoto – LabSat, que contempla uma área de atuação importante do Cepagri e bastante antiga, com trabalhos desenvolvidos desde 1985 e tem o maior banco de imagens de satélites meteorológicos do Brasil. Participo de projetos de pesquisa em mudanças climáticas na agricultura, do zoneamento agrícola de riscos climáticos no Brasil e na América Central com participação da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e, faço parte da equipe do Centro de Pesquisa em Inteligência Artificial BI0S (Brazilian Institute of Data Science) que desenvolve pesquisas usando IA nas áreas de agricultura de precisão e de otimização do uso de recursos agrícolas.
Nessa loucura de estudos, ainda no mestrado, conheci o Renato, meu porto seguro. Começamos a namorar e depois nos casamos. Completamos 17 anos juntos. Temos dois filhos, João Felipe de 8 anos e Alice de 4 anos. A maternidade é o meu maior desafio e minha maior felicidade. Eles me completam, me fazem aprender e encarar a vida de forma diferente. Me ensinaram a apreciar os pequenos momentos e dar valor às pequenas coisas.
Toda essa trajetória só foi possível pela família que tenho e, principalmente, porque meus pais não mediram esforços para dar uma educação de qualidade para os filhos. Eles me ensinaram a ser uma pessoa de princípios e a dar valor nos estudos e na ciência, me deram todo suporte necessário para que eu pudesse crescer e avançar profissionalmente. Me ensinaram a respeitar o próximo e aceitar as diferenças. Agradeço todos os dias por ser filha deles. E me espelho neles para educar os meus filhos. Quero que eles voem alto.
Para mim, hoje Guaxupé significa voltar para casa, dar oportunidade aos meus filhos de viverem um pouquinho da infância que vivi, poder sentir os pés na terra, admirar o céu estrelado, ter contado com a natureza e sentir o ar puro no rosto enquanto estou pedalando.
Aos leitores da mídia não deixem os seus sonhos para amanhã, façam hoje, tudo é possível
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