CONHEÇA A TREJETÓRIA DESTE PROGRESSISTA ESPANHOL QUE VEIO DE ANDALUZIA E ELEGEU GUAXUPÉ COMO MORADA
POR ROSÂNGELA FELIPPE, jornalista e colaboradora desta Revista Mídia
Entre os anos 50/60, em um ato quase rotineiro, meu pai me segurava pela mão levando-me à residência de Dr. André Cortez Granero. Ao longe, o refinado e circunspecto senhor nos via pela janela e, em um movimento discreto com a cabeça, comunicava-nos que estava no aguardo de nossa chegada.
Sua expressão firme levava-me a decifrá-la como a de um membro da fidalguia que eu via nos filmes do Cine São Carlos, tamanha era a sua altivez. Aquela postura decidida intuía-me que se tratava de um homem que pensava indeterminadamente e não ocultava suas idéias. Ouvi-lo falar causava-me a impressão de que não tinha receio de dizer o que sua cabeça definia. Nada era insinuado. Tudo era exatamente como fluía de sua índole fidedigna. Essa minha convivência na infância resplandece saudosamente em minhas memórias.
Lembro-me de observar cada detalhe de seu escritório decorado com móveis de madeira sólida. Naquele espaço, erguiam-se as maiores estantes de livros com as mais variadas coleções bibliográficas que eu havia visto na cidade. As obras eram encapadas predominantemente com as cores pretas e vermelhas denotando que ali vivia um leitor pertinaz. Aquele cenário fazia com que eu desejasse ter uma biblioteca igual. O cheiro de papel e de caneta tinteiro me envolvia. Parecia utópico que uma menina passasse a sonhar em ter um cômodo como aquele ao invés de um quarto repleto de bonecas, espelhos e armários cheios de roupas bonitas. Mas a influência de Dr. André sobre mim era grandiosa. Imaginava-me sentada atrás daquela escrivaninha majestosa escrevendo textos inteligentes tal como ele fazia. Em suma, não queria ser uma boneca da ‘Estrela’. Eu desejava ser alguém como aquele senhor apesar de não saber por onde começar a percorrer o caminho que ele seguia. Hoje eu sei que o caminho era o estudo e a vontade continuada em aprender cada vez mais.
A admiração que meu pai nutria por Dr. André demonstrava considerá-lo o protótipo da dignidade humana. Eram amigos na vida e parceiros na profissão. Ambos se respeitavam e evidenciavam uma simpatia mútua. Havia entre eles uma atmosfera quase equiparada à interação entre pai e filho. Provavelmente, tenha sido a única vez que vi meu pai olhar para alguém como se estivesse na presença de um conselheiro o qual ouvia, acatava e aplicava. Portanto, foi justamente essa relação que despertou em mim um carinho singular por Dr. André Cortez Granero, muito embora, sob meu olhar infantil, ele causava-me a impressão de ser um homem austero, porém não amedrontador.
Hoje, olhando firme para o passado, revejo seus trejeitos aparentemente rígidos, mas ao mesmo tempo encantadores como o personagem ‘O Mágico de Oz’ o qual intimida as crianças, mas ao mesmo tempo as atraem. Aquele senhor que, muito embora não me tratasse de modo piegas, transmitia-me um bem querer velado e ao mesmo tempo expresso pelo seu olhar afetuoso.
Assim, dando sequência ao meu devotamento em colaborar com o resgate e a preservação das memórias de Guaxupé, contei com o dedicado apoio dos netos de Dr. André: Cristina Magalhães Guido, Roberto Magalhães Filho e Dr. João Carlos Magalhães que não mediram esforços para angariar registros das múltiplas aptidões de seu amado avô. Dr. André Cortez Granero é um nome que jamais poderia faltar em minha lista de recordações. É um momento profissional glorioso eu poder exaltar nesta coluna a personalidade firme, correta, construtiva e exemplar desde homem que tanto cooperou com o desenvolvimento cultural e educacional de Guaxupé, além de outras realizações edificantes em benefício da cidade. Que com o passar dos tempos ele não se torne somente um nome de escola às gerações futuras. Mas que habite para sempre no coração e na memória de todos os guaxupeanos como um grande mérito que nos foi enviado por Deus.
A VINDA AO BRASIL
Seu nome de batismo era Pedro Andrés Ciriaco Cortez Granero. Dr. André nasceu em 19 de março de 1893 na aldeia de Albanchez, província de Almeria, região conhecida como Andaluzia, Espanha. Era o caçula entre os sete filhos de Pedro Cortez Franco e Martrios Granero Molina.
Tendo ficado órfão de pai muito cedo, enfrentou junto à família momentos de dificuldade. Foi quando sua mãe decidiu-se a escrever ao seu irmão Antonio Molina Granero, que já havia se instalado no Brasil, pedindo-lhe que ajudasse a encaminhar o menino. Assim, sugerido pelo próprio tio, Dr. André, em 1904, com apenas 11 anos de idade, embarcou sozinho em um navio vindo de encontro a Antonio. Contudo, durante a viagem, foi confiado a um casal de espanhóis, também a caminho do Brasil, que se comprometeu a entregá-lo ao tio no Porto de Santos.
Desembarcando em terras brasileiras, trazia no coração a dor da saudade. Afinal, era apenas uma criança que saía de sua pátria deixando para trás sua mãe e todos seus irmãos: Carmen, Juan, Remedios, Tereza, Eugenia e Rosa. Esse episódio denota que Dr. André nasceu predestinado à coragem e à devoção às lutas. Junto com a saudade, ele se apegou também à esperança de vencer na vida e ajudar seus queridos familiares que deixou na Espanha. Assim, sempre soube aproveitar as boas oportunidades que lhe surgiram pelo caminho com determinação, muito estudo e trabalho constantes.
E como era habitual, os imigrantes ao chegarem ao Brasil adaptavam os nomes ao idioma português. Assim, o menino Pedro Andrés passou a ser chamar: André Cortez Granero.
RESPONSÁVEL PELA FORMAÇÃO DA COLÔNIA ESPANHOLA EM GUAXUPÉ
Nos primeiros tempos, após sua chegada ao Brasil, Dr. André morou com o tio Antonio em Mococa. Era tratado por ele como verdadeiro filho. E foi de Antonio que recebeu toda a assistência e educação. Anos depois, Antonio encaminhou o jovem para São Paulo a fim de que concluísse o curso ginasial e, estudando também à noite, formou- se contador pela Escola de Comércio Álvares Penteado, no Largo de São Francisco, ao lado da mais famosa faculdade de direito do país, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, também conhecida por Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no centro da capital paulista.
Ao término dos estudos, em 1914, empregou-se no Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, em Belo Horizonte e Varginha. Na época, Dr. André já frequentava Guaxupé desde 1910 e, contratado pelos irmãos Abrão e Jacob Miguel Sabbag para assumir a contabilidade de sua empresa atacadista, mudou- se definitivamente para a cidade em 1917.
Já estabelecido profissionalmente, trouxe seus familiares da Espanha. Seu irmão João foi o primeiro a vir. As irmãs vieram em seguida, com exceção de Carmen, a primogênita, que já havia constituído família em seu país de origem.
A família toda passou a morar em Guaxupé em uma chácara que Dr. André havia comprado próximo à linha de trem da Mogiana, onde hoje é a Vila Conceição. A partir desse acolhimento de seus familiares é que deu origem à descendência dos espanhóis na cidade: Os Molina e os Cortez. Com o tempo, João instalou-se na cidade de Passos onde se casou.
O CASAMENTO
Em 1918, Dr. André casou- se com Dona Ernestina Ribeiro do Valle em Aparecida do Norte, adquirindo a cidadania brasileira que foi oficialmente ratificada em 1938. O casal teve 4 filhos: Yvette (1920), Norbertina (Mana- 1922,), Yvonette (1923) e Norberto (1926). Foi considerado como um chefe de família muito rigoroso. Porém, dotado de idéias progressistas muito respeitadas pela família e pela comunidade. Rígido na educação dos filhos e netos, ao mesmo tempo era capaz de demonstrar enorme afeto para com os seus.
Segundo diz sua neta Cristina Guido: “Com os netos dava asas à imaginação”. Traçava nítida distinção entre o certo e o errado e transmitia esses valores aos netos. “Existem duas maneiras de fazer uma coisa: bem feita ou mal feita . Escolha sempre a primeira para fazer apenas uma vez”.
Uma das lembranças que Dr. André mais gostava de narrar aos filhos e netos sobre sua infância na Espanha era a de que, na cidade em que nasceu, aldeia de Albanchez, não se comemorava o Natal. As festividades eram realizadas no dia dos Santos Reis. As crianças ajudavam as mães a preparar quitutes que eram colocados nas portas de suas casas para a recepção dos Três Reis Magos. Eis que a comitiva que acompanhava os Santos entrava na cidade fazendo grande alvoroço.
SUA IMPORTÂNCIA NA HISTÓRIA DA ACADEMIA TÉCNICA DE COMÉRCIO SÃO JOSÉ
Dr. André adquiriu com magnitude o hábito da leitura. Ao longo do tempo, montou uma biblioteca admirável. Dizem os netos que seus livros eram abarrotados de apontamentos e destaques nos trechos que o interessavam. Utilizava-se de vários cadernos em que anotava frases, citações e várias expressões em latim.
Reconhecido pelo vasto conhecimento como contador, a pedido do Professor José Gonella, fundador da antiga Escola Noturna São José de primeiras letras, no ano de 1917, Dr. André passou a lecionar gratuitamente Escrituração Mercantil e Contabilidade empregando métodos de ensino ainda não conhecidos pelos guarda livros da cidade.
A inovação do ensino ministrado por Dr. André despertou grande interesse e, para atender a todos os candidatos às vagas de Guaxupé e cidades vizinhas, foi instituída a Academia de Comércio São José. Com a experiência adquirida em São Paulo, Dr. André, portanto, incorporou o arquétipo de ensino adotado pela Escola Álvares Penteado, compondo o corpo docente selecionando os melhores professores da região. Assim, contanto com o apoio do prefeito Major Custódio Ferreira Leite e da Câmara Municipal, foi aprovada a proposta de que a Academia fosse estabelecida como patrimônio do povo de Guaxupé. Conforme é atestado, comparando-se um século atrás com os dias atuais, os empreendimentos aplicados aos cursos naquela época equipara-se aos bons cursos superiores de hoje.
Em 1925, Dr. André representou a Escola como redator do Congresso das Escolas de Comércio do Brasil. Essa iniciativa propiciou-lhe o reconhecimento oficial da Academia pelo Governo Federal. Provavelmente, uma das mais surpreendentes façanhas a favor do desenvolvimento da Academia, foi o fato de ele, quando nomeado Diretor da Escola, ter empregado toda sua remuneração em melhorias do estabelecimento. Nada guardou ou utilizou para proveito próprio.
Mesmo diante de tanta abnegação e empenho pelo progresso da Academia, foi surpreendido, em 16 de outubro de 1932, com uma ordem de exoneração do cargo pelo Prefeito Municipal da época. Nem mesmo os protestos dos alunos e dos moradores da cidade impediram seu afastamento o qual nunca foi justificado. Ou, talvez sim. Justificado por um ato político injusto e plenamente desmerecido. Mesmo com o coração partido, no dia seguinte entregou com dignidade o estabelecimento ao secretário Professor José Gonella. Somente aqueles que com ele conviviam de forma mais afeiçoada puderam assistir o quanto lhe doeu tirarem de suas mãos guerreiras uma escola pela qual se doou com veemência, com tantos planos ainda para realizar, com sonhos magistrais a favor do bom aprendizado e a soma de suas lutas e conquistas pelo bem da Educação. Dr. André, determinadamente, foi exemplo da verdadeira dedicação e do amor por um instituto de ensino que para sempre lhe deve reverências e gratidão .
POLIVALENTE E SEMPRE ATIVO
Nas primeiras décadas do século passado, Dr. André já exercia muitas atividades : Atirador de primeira linha do TG; em 1920 assumiu o cargo de 1º Tabelião e Oficial de Imóveis de Guaxupé que ocupou por 23 anos; foi também Escrivão do Crime e do Juri, Escrivão do Serviço Eleitoral e Escrivão do Serviço Militar.
Dando sequência aos seus feitos, segue abaixo uma lista vultosa de funções encaminhada pelos netos:
• Foi jornalista e colaborador de todos os jornais locais de seu tempo. Foi redator e diretor de “O Guaxupé”, assinava colunas na “Gazeta de Minas”, da qual eram também redatores e diretores os saudosos Jesuino Costa Monteiro, Carlomano Coelho e Dr. Orlando Vairo, no “A Cidade de Guaxupé” e “O Gládio”. Na célebre Revista de Guaxupé, editada em 1922, comemorativa do centenário da Independência do Brasil, redigiu a primeira História de Guaxupé, que tem servido até hoje a todos os estabelecimento de ensino que se interessam pelo assunto.
• Exercia atividades no esporte, tendo jogado nos times do XV de Novembro, Operário do Natinho e da Associação Atléticade Guaxupé, conhecida como “Os Tigres de Minas”. Torcedor fiel da “ Esportiva”, raramente deixava de assistir a seus jogos.
• Combateu nas Revoluções de 1930 e 1932, incorporado no posto de Tenente da Força Pública de Minas Gerais, exercendo temporariamente o cargo de Secretário do 11º B.P.I. de Minas. Como era ainda jovem, recebeu do povo o título de “ Tenente da Mocidade Guaxupeana”.
• Em 1932, formou- se em Direito pela Faculdade de Direito de Niterói e passou a advogar na comarca de Guaxupé e nas cidade vizinhas com verdadeira dedicação e nobreza, até sua aposentadoria em 1975. Tinha uma das maiores bibliotecas de Direito da cidade. A amigos que exerciam atividades públicas, doou a maioria de seus livros, todos com dedicatória.
• Foi um dos fundadores da Associação de Comércio e Indústria , juntamente com os saudosos Marcelino Rivera e Asdrúbal Gama. Seu empenho na implantação da ACIG o fez merecedor do título de Sócio Honorário da entidade.
• Foi um dos fundadores do Clube Guaxupé participando de sua primeira diretoria.
• Membro do conselho administrativo da Santa Casa.
• Membro do Asilo São Vicente de Paula.
• Membro da Diocese.
Como político, foi Secretário do PSD (Partido Social Democrático) e esteve presente em todas as convenções do partido em Belo Horizonte. Com Juscelino Kubitschek, então governador de Minas e pertencente ao mesmo partido, criou laços políticos e pessoais. Em 1953, por delegação especial, representou a política de Guaxupé junto ao governo estadual e conseguiu, nesse encontro, a criação da agência da Caixa Econômica Federal, da qual foi gerente durante os dez primeiros anos de seu funcionamento. Foi vereador entre 1967 e 1970, tendo sido presidente da Câmara Municipal.
UM BOM ORADOR E EXPOSITOR PERSEVERANTE DE SUAS OPINIÕES
No dia 6 de janeiro de 1978, paraninfou a 58 ª turma da Academia de Comércio São José. Nesta ocasião, em seu discurso, teceu considerações históricas sobre o passado da Entidade, repondo em seus devidos lugares certos dados que foram se desvanecendo na memória dos seus sucessores .
Recebeu o título de cidadão Guaxupeano em 1º de junho de 1978. Guaxupé foi sua escolha de vida e o reconhecimento da cidade causou- lhe grande emoção em seu discurso de agradecimento. “Achava que aqui era a terra ideal dos meus sonhos e não me enganei. Fiz sólidas amizades que me cativaram cada vez mais”.
Dr. André faleceu em 20 de março de 1979, um dia após completar 86 anos. Seu exemplo de integridade permanece e seus familiares se lembram dele com muita saudade e orgulho.
Quando partiu, o jornal ‘Folha do Povo’ trouxe em sua primeira página: “Perde a cidade um grande Benemérito”, escrevendo então o Prof. Sebastião de Sá: “No lar, foi chefe de família feliz, que teve na bondade e no amor da esposa, no carinho e orgulho dos filhos, no respeito e admiração dos netos o encontro maior de sua vida; conduzindo- a com retidão e aprimorando as virtudes que sempre transbordaram em seu coração.”
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