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Rosângela Felippe entrevista Roberto Menescal

“MINHA VIDA É SEMPRE VOLTADA A BATALHAR PELA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA, SEJA ELA DE QUE ORIGEM FOR”, diz cantor

Por Rosângela Felippe, jornalista


Roberto Batalha Menescal nasceu no dia 25 de outubro de 1937, na cidade de Vitória, Espirito Santo. No ano de 1950, inicia seus estudos musicais no piano com sua tia Irma Menescal, no Rio de Janeiro. Em seguida, durante dois anos dedicou-se à música como autoditada. Tempos depois, teve aulas com Edinho, do Trio Irakitan e com os maestros Guerra Peixe e Moacir Santos. Nesta década, começou a frequentar a noite carioca onde conheceu Tito Madi, Johnny Alf, Lúcio Alves e Tom Jobim.

Completando 84 anos e, como sempre, compondo lindamente suas canções, Roberto Menescal é memória viva do surgimento do movimento Bossa Nova o qual é um dos fundadores.


Tendo o mar como tema na maioria de suas criações, além de compositor atuou como instrumentista, arranjador, cantor e produtor musical.

A serenidade é uma de suas características mais marcantes. Roberto Menescal causa-nos a sensação de que está sempre de bem com a vida. O tempo passou, mas a intensidade do bom humor deste artista que nunca estranhou as novas tendências musicais permanece. Tanto que, ao entrevistá-lo, notei aspectos interessantes e admiráveis em sua personalidade, sobretudo, que não deixou de ser jovem.


Amante de flores, atualmente Menescal cuida de cerca de 30 mil bromélias em sua casa na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, como meio de colaborar com a preservação da espécie. Segundo diz: "há bromélias por todos os lados, menos sobre minha cama".

Entre muitas de suas composições de sucesso encontra-se: Você / O Barquinho / Nós e o Mar / Ah, Se Eu Pudesse / Rio / Vagamente / Telefone / Agarradinhos / Ninguém / A Morte de Um Deus de Sal / Balansamba.


'O Barquinho', em parceria com Ronaldo Boscoli, é considerada sua obra prima musical gravada por grandes intérpretes brasileiros, entre eles: Tom Jobim, João Gilberto, Maysa, Elis Regina, Nara Leão, Tim Maia, Emílio Santiago, Toquinho, Eliane Elias, Sandy, Leila Pinheiro, Zizi Possi e Fernanda Takai. Além do português, a composição conta com quase três mil gravações em vários outros idiomas como inglês, espanhol, castelhano, japonês, coreano e francês. A música também foi gravada por artistas internacionais como Andy Summers (The Police), Lisa Ono, Peggy Lee, Toots Thilemans, Joan Chamorro, Giada Valenti, Herbie Mann, entre outros.


Assim como suas composições, os arranjos musicais de Roberto Menescal também o consagraram. Sua contribuição com shows, discos, trilhas sonoras de grandes filmes e telenovelas brasileiros sempre enalteceram o trabalho de outros compositores e intérpretes. Exemplificando: Ao ouvir 'Bala com Bala' na voz de Elis Regina, uma composição de João Bosco e Aldir Blanc, há de se perceber o paralelo entre o talento da cantora e a percepção de Roberto Menescal como arranjador. O swing delirante da música somente Elis com sua inigualável interpretação seria capaz de expressar. E Roberto Menescal, como poucos fariam, harmonizou com maestria o ritmo e as notas musicais com o genialidade da cantora.

Somando os inesquecíveis acontecimentos em sua carreira, há o advento do Festival Rio Montreux Jazz, que ocorreu entre os dias 22 a 25 de outubro de 2020, quando nove intérpretes japoneses se uniram em homenagem a Roberto Menescal e gravaram em português 'O Barquinho'. A iniciativa fez parte das comemorações de aniversário de 83 anos do compositor e os 60 anos da canção.

Foi incluída na programação deste festival uma apresentação online de Menescal junto com Marcos Valle. O clipe pode ser assistido pelo canal de Menescal no Youtube.



HÁ MUITAS VERSÕES SOBRE O SURGIMENTO DA BOSSA NOVA. COMO REALMENTE DESPONTOU ESSE MOVIMENTO QUE RENOVOU A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA?

O movimento da Bosssa Nova tem uma ligação com o samba, mas tem uma ligação, também, com o jazz. No início, antes de nos tornarmos profissionais, tocávamos jazz e gostávamos de samba. Porém, não conseguíamos tocar o samba como os compositores do morro do Rio de Janeiro. Então, criamos um tipo de música para agradar a nossa turminha sem esperar que fosse se tornar um movimento tão forte no Brasil e no exterior.


PODERIA-SE DIZER, ENTÃO, DE MODO SIMPLES, QUE A BOSSA NOVA É UM RITMO MAIS ‘SOSSEGADO’ DO SAMBA?

A Bossa Nova é uma série de coisas. É um ritmo, mas com uma nova jogada de harmonia de letras, além de uma filosofia oriunda de uma juventude que surgia e não tinha música própria. Com relação ao ritmo, sempre procuramos fazer um samba mais moderno e a fórmula foi encontrada por João Gilberto. Eu tinha uma batida, o Carlinhos Lyra outra, Baden Powell e Oscar Castro Neves também tinham batidas diferentes. Ao ouvirmos João Gilberto percebemos que seria por aí e adaptamos nossas batidas a dele.


CITE UM DOS MAIORES MOMENTOS DA BOSSA NOVA.

Foi um show realizado em 1959, no Teatro de Arena da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), antiga Faculdade de Arquitetura. A ideia surgiu em nosso grupinho porque achávamos que já poderíamos levar nossa música a um público bem maior do que os showzinhos que fazíamos em casas de pessoas e em pequenos clubes. Assim, decidimos organizar o primeiro grande show da Bossa Nova: "A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor". O show foi dirigido por Ronaldo Bôscoli e convidamos artistas do Rio como: Sylvinha Telles, Tom Jobim, Norma Bengell, entre outros. Convidamos, também, alguns artistas de São Paulo como: Johnny Alf, Claudete Soares e Alaíde Costa.

Algo bem inesperado aconteceu enquanto eu varria o palco para a preparação do show. Sim, nós fazíamos de tudo: varríamos, montávamos a aparelhagem de som, etc. Foi quando uma pessoa veio correndo e falou: "Roberto, o trânsito está todo parado lá fora”. Eu logo retruquei: "Que azar! Logo no dia do nosso show!" Foi então que a pessoa explicou que estava tudo parado por causa do show. Ao abrirmos a porta para que as pessoas entrassem, foi uma loucura. A rua estava toda lotada de gente. Havia muitos dependurados até nas janelas da faculdade para que pudessem assistir as apresentações. O sucesso foi muito grande. Foi neste dia que tomamos consciência de que a nossa música já estava atingindo um público maior.

Um detalhe interessante é que o nosso grupinho se reuniu para que pudéssemos fazer uma vaquinha e pagarmos as passagens dos artistas que vieram de São Paulo. Eles ficaram, cada um, hospedado na casa de um de nós.


SUAS COMPOSIÇÕES SE HARMONIZAM COM UMA PERCEPTÍVEL SUAVIDADE E GERAM SENSAÇÃO DE ALEGRIA. VOCÊ SEMPRE SE INSPIRA DA FELICIDADE?

Sim, nossa turminha sempre foi mais suave mesmo. Nós nos inspiramos muito na natureza em que vivíamos, a praia. Quase todas as noites íamos ao apartamento da Nara Leão, na Avenida Atlântica, em frente à praia de Copacabana. Eu praticava mergulho e ía com frequência a Cabo Frio e Angra dos Reis. Então, nossa música nasceu daí. E nos inspiramos sempre que possível na alegria tentando evitar o baixo astral.


MAS QUANDO OS CRIADORES DA BOSSA NOVA SE REUNIRAM, ENTRE OS ANOS 50/60, A CIDADE DO RIO DE JANEIRO, SOB O OLHAR DO MUNDO, ERA UM RECANTO DE MAGIA E SEDUÇÃO. HOJE, APESAR DE SOFRER TANTOS PROBLEMAS SOCIAIS, ENTRE ELES A VIOLÊNCIA, O RIO AINDA O INSPIRA EM COMPOSIÇÕES FUNDAMENTADAS NA FELICIDADE?

O nosso Rio de Janeiro, falo nosso porque o Rio dos nossos 18/20 anos era muito bom, um recanto de magia. Tanto que, muitas músicas saíram dalí: "Garota de Ipanema', 'Ela é Carioca' e tantas outras canções que surgiram por conta do Rio que conhecíamos.

A cidade não era perfeita, mas era muito mais perfeita do que hoje. E a gente não tem falado do Rio em nossas músicas porque já foi bem falado. É difícil falar do Rio como Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Ronaldo Bôscoli falaram. Mas é uma cidade que me alegra muito ainda. Hoje, moro na Barra da Tijuca e tenho neste lugar uma coisa parecida com a que eu tinha em Ipanema naqueles tempos.


APÓS 61 ANOS, ‘O BARQUINHO’ SEGUE DESLIZANDO SOBRE AS ONDAS DO SUCESSO. LEMBRA-SE, AO COMPOR A OBRA EM PARCERIA COM RONALDO BÔSCOLI, COMO FORAM DESPONTANDO OS PRIMEIROS ACORDES, AS PRIMEIRAS FRASES, OS PRIMEIROS CONTORNOS DA CANÇÃO QUE SE ETERNIZOU COM A IMAGEM DO MAR E O BRILHO DO SOL DE VERÃO?

Quando nasceu essa composição, Ronaldo Bôscoli e eu estávamos enfrentando uma situação totalmente diferente do que diz a música. Estávamos no mar com o barco enguiçado em Arraial do Cabo onde, mais além, só se encontra a Ilha do Cabo e, depois dela, a África.

Eis que, o barco começou a ir embora com o vento nos levando, levando, levando. Já eram quatro horas da tarde e nós tentando fazer o motor pegar, mas havia acabado a carga da bateria. Então, giramos a manivela na tentativa de fazê-lo funcionar, mas o motor só emitia o som 'catacatacatacatacata' e morria, catacatacatacatacata' e morria, 'catacatacatacatacata' e morria. E assim foi até às seis horas da tarde quando se aproximou uma embarcação da Bahia e fomos rebocados. Durante o trajeto, já estava escurecendo e começamos a brincar: "e o barquinho vai, a tardinha cai..." No dia seguinte, na casa de Nara Leão, Bôscoli me perguntou: "Roberto, como era aquela história do barquinho que você cantarolou?" Respondi a ele: "O barquinho vai, a tardinha cai". Bôscoli então disse: "Ah, disso eu me lembro. Pergunto é do motor que você estava tentando fazer pegar e brincando com o barulho que ele fazia". Mas eu não me lembrava e Ronaldo insistia porque havia um swing legal. Sendo assim, pus-me a reviver aqueles momentos, aos poucos recordando coisas, repetindo gestos até que, comecei a dizer 'catacatacatacatacata' e dava pausa... 'catacatacatacatacata' e dava pausa... 'catacatacatacatacata' e dava pausa.

Assim, em cima do ritmo do ruído motor que morria, criamos a letra: "Dia de luz, festa de sol e um barquinho a deslizar no macio azul do mar..." e o som morria igual ao som do motor. E nesse compasso continuamos emendando a letra com a melodia: "... vejo o barco e luz, dias tão azuis...". Foi, portanto, de uma brincadeira que nasceu o maior sucesso musical dessa parceria.



COMO PRODUTOR MUSICAL, MUITOS ATRIBUEM A VOCÊ A DESCOBERTA DE GRANDES TALENTOS, ENTRE ELES, EMÍLIO SANTIAGO E ALCIONE. ISSO É FATO?

As pessoas jogam muito em cima de mim a façanha de ter descoberto muitos talentos. Na verdade, não descobri, pois eles estavam alí, bem ao meu lado. Modéstia à parte, sou muito atento, isso sim posso garantir que sou.

Quanto ao Emílio Santiago, penso que foi a minha maior vitória em termos de resultados artísticos. Consegui gravar sete discos com ele para o álbum "Aquarela Brasileira". Foram vendidos seis milhões de discos.

O Emílio era filho adotivo e dormia em um sofá-cama na sala de um pequeno apartamento. Aliás, o sofá era menor do que o tamanho dele. Um ano depois, com o resultado desse projeto que realizamos com sua participação, Emílio já havia conseguido comprar um belo apartamento entre os bairros Flamento e Botafogo. O imóvel tinha dois andares e ficava na cobertura do edifício. Fiquei muito feliz por ter podido ajudá-lo nesta conquista. Mas, na verdade, ele era um grande intérprete da música brasileira, tanto que, eu o chamo de The Voice. E pensar que, no início Emílio não acolheu minha proposta com relação ao projeto, até que um dia ele topou. Levei 10 anos tentando convencê-lo. Quando deixei o cargo de direção artística na Polygram, que era a gravadora que o contratou, ele também saiu, ou melhor, saíram com ele porque não estava apresentando um resultado muito bom. Foi, então, que se decidiu a participar do projeto.

A Alcione também foi uma meia descoberta. Mas ela já era um talento, apesar de não ser muito conhecida na época. A sacada que eu tive foi a de que ela não era sambista, mas sim do jazz. Fiz um teste com ela e sua carreira acabou implacando. Mas essa história de "você descobriu, você que criou" não é assim. A Alcione apenas estava alí e eu tive uma boa visão sobre seu talento, só isso.


CONTUDO, RECENTEMENTE, VOCÊ FEZ UMA NOVA DESCOBERTA: MARIA JULIA

Sim, a minha maior paixão, Maria Julia (Maju). É a minha neta mais nova que hoje tem cinco anos de idade. Ela já me acompanha em minhas canções. A menina gosta muito de cantar e sua voz tem uma afinação impressionante. Minha nora Georgeana, mãe de Maju, procura incentivar a filha cantando sempre com ela e a elogiando pelas suas interpretações.

Aproveito para contar um fato bem engraçado sobre a Maju. Aos quatro anos, ela ganhou uma porção de brindes de uma loja da qual participou da tiragem de umas fotos de divulgação. Curiosa, quis saber a razão de estar recebendo tantas coisas. A mãe lhe respondeu que era o cachê pelo trabalho que fez. Na época, Maju e eu já gravávamos juntos. Assim, após fazermos uma gravação de ‘O Barquinho’ em meu jardim, perguntou-me: "Vovô, cadê o meu cachê"? (risos)

SENDO O ATUAL PRESIDENTE DE ABRAMUS, A MAIOR SOCIEDADE DE DISTRIBUIÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS DO BRASIL, COMO TEM SIDO DEFENDER OS DIREITOS DOS AUTORES MUSICAIS BRASILEIROS?

Minha vida é sempre voltada a batalhar pela música popular brasileira, seja ela de que origem for. Há pessoas que me indagam: "poxa, mas você gosta mesmo disso? É isso que você está defendendo?"

Acontece que não tenho de ficar defendendo só o que gosto. Defendo o que é feito. Depois, cada um diz se gosta ou não. Eu mesmo não gosto de uma porção de coisas, mas estou sempre defendendo o direito do autor. Tanto que, tornei-me presidente da Abramus. E a luta vai ser para sempre. Enquanto puder, estarei lutando.

QUAL O SEGREDO DE CHEGAR AOS 84 ANOS COM TANTA ALEGRIA DE VIVER?

Sobre a minha alegria de viver de hoje, sempre a tive comigo. Quando cheguei aos 60 anos, fui tendo mais alegria ainda porque usei tudo o que aprendi na vida. E tenho uma coisa comigo quando me perguntam se tenho saudade da vida que já vivi. Sim, gosto muito do que fiz e guardo boas lembranças. Mas não fico com esse negócio de saudade não. Então, minha alegria de viver vai durar muito ainda. Talvez, até mais do que eu.




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