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Da Redação

Morre Mário Seguso, mestre vidreiro da Cristais Cá d'Oro, de Poços de Caldas



Faleceu no último domingo, dia 14, em Poços de Caldas, o artista, mestre vidreiro e empresário do ramo de cristais, Mario Seguso, aos 92 anos. A causa Segundo da morte é indeterminada.


A cerimônia de despedida aconreceu no velório municipal e o corpo do empresário foi levado para Limeira (SP), onde foi cremado.


O dom de criar o cristal

Mário Seguso foi reportagem de capa da REVISTA MÍDIA em dezembro de 2008. Na ocasião, recebeu o jornalista Ricardo Dias na fábrica de cristais sediada em Poços de Caldas, quando contou um pouco de sua bela e rica história - hoje um legado.


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O italiano Mario Seguso é o brasileiro de maior reconhecimento mundial na fabricação e gravação de cristais murando. Ele trocou o velho mundo, as belezas da Itália e, em especial, de Veneza e da pequena ilha de Murano, para viver e constituir sua família no Brasil.


O artista, que dispensa qualquer adjetivo para classificar sua eximia arte vidreira, era o único artista no mundo a fazer gravações em vidros.


Seguso viveu 56 anos em Poços de Caldas, onde se encontra a empresa que dirige, a Cristais Cá d’oro. Na época da entrevista, ele relembrou um pouco de sua trajetória de sucesso e reconhecimento, desde a ilha de Murano até os dias atuais. Ainda preserva o sotaque italiano mas enfatizou: “nasci na Itália mas sou mesmo é brasileiro”.


O INICIO EM MURANO

Murano é uma ilha da Itália que fabrica o melhor vidro do mundo. Foi escolhida como sede industrial para a fabricação do vidro em 1291 porque em relação à Veneza, recebia o vento tramontana facilitando a dispersão da fumaça no ar, não poluindo assim o ar da cidade. Outro motivo de Murano ter sido escolhida como sede do vidro, foi pelo fato de afugentar o perigo de incêndio na cidade de Veneza. A atividade é antiguíssima, mas, o verdadeiro impulso deu-se quando Veneza entrou em contato com as oficinas saracenas da Síria, entre os séculos XI e XII. Porém, há relatos que desde 1270 a família Seguso já trabalhava artesanalmente com vidros.


Desta forma e com o passar dos anos, Mario Seguso tornou-se o guardião de uma das maiores e mais belas técnicas: a de fazer cristais e gravar neles as mais lindas imagens. A Família Seguso encontra-se inscrita no “Livro de Ouro de Murano”, por ordem da Sereníssima República de Veneza, desde sua instituição, juntamente com outras famílias da ilha, igualmente ligadas à arte do vidro, adquirindo assim os direitos, os benefícios e as prerrogativas reservadas aos nobres.


Filho de Giovanni Seguso e Michelina Seguso, desde a infância ele já mostrava o dom desta arte. “Eu e meus irmãos sempre trabalhamos com vidro. Isso porque em Murano, uma ilha que há séculos se dedica ao vidro, todos de alguma forma estão envolvidos com arte, desde mestres vidreiros sopradores até vendedores que divulgam o artesanato. Eu nasci em uma ilha onde se vive vidro, se respira vidro e depende-se totalmente do vidro”, explica.

Desde menino ele mostrava tendência ao desenho artístico e a família percebeu logo que ele podia se tornar um design ou um gravador de vidro. “Assim, me formei na Escola de Artes de Veneza, com professores muito bons e, desta forma, pude aprender muito sobre a história da arte, estilos e ter acesso a uma gama de informações que é necessária para poder desenvolver a criatividade e voar com as próprias asas”.


A ITÁLIA PARA O BRASIL

Concluídos os estudos, Seguso montou seu primeiro ateliê, participou de algumas exposições em Veneza até que surgiu o convite para vir ao Brasil. “Tratava-se de uma oportunidade da qual eu não quis perder. Em 1954, a cidade de São Paulo celebrava 400 anos de existência. Para a festividade foi construído o Parque do Ibirapuera, onde houve uma das exposições mais importantes da indústria paulistana. Fui convidado pela Cristais Prado para produzir peças especiais para essa exposição. Foi uma experiência maravilhosa e entendi que era isso que eu queria. Me apaixonei pelo Brasil, pelo seu povo, pela sua história, pelo seu folclore e decidi que era aqui que queria constituir minha família”, disse à época.



Após algumas aventuras pela Amazônia em busca de diamantes, na década de 50, Seguso resolveu voltar a São Paulo e, mais tarde, radicou-se em Poços de Caldas. Foi em 1965 que criou a Cá d’oro ao lado de familiares. Quando começou a produzir vidros, acabou ficando sem tempo para gravá-los. Assim começou a desenvolver peças com design diferenciados e, é claro, com um toque de cultura brasileira. “Não havia produção de vidro artístico no Brasil. Já que eu havia estudado arte, já podia voar com minhas próprias asas e sem copiar coisa de ninguém, comecei a produzir peças ligadas ao país que escolhi para viver e que me permitiu trabalhar. Desta forma, sempre busquei dar às minhas peças algo local que a caracterizasse como brasileira”, explicou. Ele continuou pesquisando novas formas e efeitos na "Oficina de Fogo e Arte", por ele mesmo fundada, mantendo a essência da tradição dos séculos de experiência da sua família. Porém, tem revelado mudanças artísticas e estéticas em seu trabalho, fruto do intenso contato com a cultura brasileira ao longo dos últimos  anos.

Seguso é o maestro da orquestra da Cristais Cá d’oro. Está presente diariamente na indústria gerenciando toda a produção , criando e recriando maravilhas em formas de peças com o mais puro vidro brasileiro. “Você só faz um vidro artístico se você ama o vidro. De outra maneira, você deve escolher outra coisa para fazer, pois com o vidro se pode fazer coisas grandiosas. Todas as noites se renova o milagre da fundição de uma matéria que parece material de construção que você joga dentro do forno e logo pela manhã se transforma em uma massa transparente e limpa que, nas mãos do vidreiro, se transforma em uma jóia. O ouro, o bronze ou a cerâmica podem ter alguma imperfeição, mas o vidro não. Quando você coloca o vidro contra a luz você não vê imperfeição alguma. É o material mais sinceros que pode existir”, analisou.


A CRIAÇÃO

Pegar o material puro e transformá-lo em uma obra de arte. Essa era a missão diária de Seguso que trabalhava com um material incandescente e que, ao esfriar, perdia a capacidade de ser moldado. Desta forma, tudo tinha que ser feito de forma rápida e perfeita.


Ele explicou que o que se pretende fazer parte de uma idéia inicial. “Quero fazer a piracema, um fenômeno tipicamente brasileiro e muito conhecido no mundo. Começo a imaginar o peixe subindo no leito do rio e seus movimentos. Faço um desenho e, por vezes, até uma peça em cerâmica. Depois que tenho essas referências, começo a trabalhar. Em grade parte dos casos, as peças produzidas com cristal superam e muito as do desenho ou as das cerâmica”, observou o artista.


Dentro da "Filosofia Européia", na qual foi educado, Mario Seguso esquiva-se das improvisações e modismos passageiros, entendendo que o objeto criado deve, por si mesmo, afirmar-se e ser julgado após uma séria análise sobre as características nele contidas, não só da parte artística, mas também das limitações técnicas e os mistérios que o vidro oferece.


A MARCA

Todo artista imprime em cada obra que cria sua característica. É ela que difere, em uma exposição, a peça de um determinado artista dos demais. As peças de Seguso possuem personalidade.


“Evidente que cada peça tem minha marca e essa marca tem que ser descoberta por quem a vê. Uma empresa grande de minério me encomendou uma peça que devia ser feita com o material dela, para presentear visitantes ilustres que viriam do Japão. Fiz três peças, escolheram uma e duas ficaram aqui. Mais tarde enviei uma delas para uma exposição em Veneza e quem a comprou foi uma brasileira. Isso prova que existe uma marca nas peças brasileiras tão profundas que uma brasileira escolheu para comprar uma peça fabricada aqui”. (Mário Seguso)

BREGA OU CHIQUE?

As peças em cristal são detalhes que valorizam qualquer ambiente de bom gosto. Basta saber escolher a peça certa para o lugar certo. Mas, como em todos os segmentos da vida, existem aquelas oferecem sofisticação. Para Seguso, o cristal “fricotado” é o mais fácil de fazer, mas ele tem predileção pelas peças lineares. “Na minha maneira de ver as coisas, prefiro as peças mais simples e com a lineatura brasileira”, diz.


Cada artesão deve se adaptar às preferências da região na qual se vive. Ele se recorda que gravou na Itália uma série de cinzeiros com a face de um boi argentino que havia ganhado vários prêmios no país.


“Você tem que se adaptar a região em que se vive e a executar peças sob encomenda. Cada povo tem um gosto. Como escolhi o Brasil e esse país maravilhoso me permitiu, estou fazendo aqui a arte que quero. Me realizo aqui e tenho possibilidade de fazer algo genuinamente brasileiro”,disse.


A MELHOR PEÇA JÁ PRODUZIDA

Perguntado sobre qual peça que mais gosta, Seguso foi enfático. “Como todo artista que se preze, diria que a mais bela será a próxima que irei fazer”, diz em meio a sorrisos. “Mas existe uma peça em especial que foi muito elogiada, o vaso com o beijo. Essa peça teve uma aceitação fantástica e digo isso porque meus familiares e amigos que moram em Murano me questionaram de como consegui fazer algo tão belo assim no Brasil. Não existe segredo nenhum, apenas um grande esforço que deu resultado”.


A FAMILIA

Mario Seguso considerava o apoio irrestrito da esposa e dos filhos primordial na sua carreira. Para ele, era uma comunhão necessária para a vida.


“A participação da minha família é espontânea e ela tem satisfação sem ser vidreira. Esse amor pelo vidro prevalece e nos une”. A esposa é responsável pela administração da empresa enquanto Mário e os filhos ficam com a parte romântica, ou seja, a criação. Já os netos, todos demonstram sinalizam para também continuarem e perpetuarem a arte do avô artista. “Ainda não sei qual será o caminho que vão seguir, mas espero que pelo menos um dos dois se dedique a essa fábrica”. (MARIO SEGUSO)

O SEGREDO DE SEGUSO

Para Mario Seguso o segredo do sucesso era um só. “Acho que o que marca as pessoas é a vaidade. Graças a Deus, nessa parte fui premiado e o padre eterno não me deu esse castigo de querer ser melhor do que os outros. Se tenho de ser o melhor, que eu seja naquilo que eu faço. Faço e deixo as pessoas analisarem. Faço a minha parte, incansável, com idéias claras do caminho a ser percorrido. O sucesso é algo espontâneo e não me preocupo com isso. O julgamento deve ser feito por quem vê a produção. Se considerar bela e que sou um artista, meu muito obrigado”.


RECONHECIMENTO

Seu talento sempre foi reconhecido pela critica especializada. Foi homenageado pela Revista Casa Claudia - Editora Abril, fazendo parte da seleção dos 18 maiores artistas da atualidade no Brasil. Foi várias vezes premiado, já expôs nas principais galerias, museus, salas e eventos ligados ao vidro do Brasil e exterior: Semana do Vidro - MASP - São Paulo, New Glass - Corning Glass - EUA, Rochester Institute of Technology - New York - EUA, Tradicao e Ruptura - Fundação Bienal de São Paulo, Museu da Casa Brasileira - São Paulo, In Vitro - Palácio das Artes (homenagem da Secretaria da Cultura de Minas Gerais a Mario Seguso), Ars in Vitro - Embaixada da Itália - Brasília, e outros eventos de similar importância. Foi convidado a ministrar o curso "Gravação em Cristal" em Seattle - WA - EUA, a convite da Pilchuck Glass School, consolidando assim sua posição entre os maiores mestres vidreiros do mundo.


À famíia Seguso, nossa homenagem. Ao querido mestre Seguso, nosso aplauso pela obra e pelo legado.




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