ROSÂNGELA FELIPPE, jornalista
Oscar Ferreira foi, provavelmente, um dos maiores imitadores de vozes do mundo. Ao todo, foram mais de 150 intérpretes que sua voz captava com perfeição.
Nos anos 60/70, principalmente, destacou-se como um dos grandes e mais requisitados artistas da TV e dos palcos brasileiros. Conquistou, também, o respeito e a admiração da maioria dos colegas de profissão, de grandes apresentadores e de cantores de renome internacional.
Casado com a guaxupeana Izilda Varriano, Oscar encontrou nela sua alma gêmea. O casal, exemplo de união e amor, foi verdadeiramente feliz, apesar das duras fases que enfrentaram. Fizeram uma parceria repleta de respeito e sentimentos profundos a qual nunca perdeu o encanto. O amor entre ambos os fortaleceu em todos os momentos de provação.
Rodaram o mundo, uma vez que Oscar era convidado à participar de muitos shows internacionais. Sua voz, além de bela, era versátil e impressionava o público. Imitações impecáveis que faziam os ouvidos confundirem sua voz com as vozes dos verdadeiros intérpretes, inclusive a do cantor Frank Sinatra.
Partiu prematuramente deixando em Izilda lembranças fortes de uma história de amor como poucas. Hoje, ela revela à coluna o quanto foi intensa a sua vida ao lado de Oscar. Um casal que nos leva a crer que o verdadeiro amor existe e é indestrutível pelo tempo e pelas experiências mais penosas. Um amor que descortinou todos os mistérios de uma plena comunhão de almas. Um amor que vive além da vida.
COMO FOI QUE VOCÊ E O OSCAR FERREIRA SE CONHECERAM?
Oscar e eu nos conhecemos na casa do saudoso Severo Antonio, que foi diretor da Casa da Cultura. Ele e a esposa Adélia são meus amigos de infância. Adélia e eu fomos vizinhas e crescemos juntas. Essa amizade permanece forte até hoje. Oscar havia sido convidado pelo Severo para puxar o samba enredo dos ‘Bicancas’, algo que ele nunca havia feito na vida. Porém, devido às amizades que tinha em Guaxupé e sendo o Severo empresário do dele, Oscar aceitou de coração. E o samba enredo da escola naquele ano foi ‘O Circo’. Lembro-me bem porque eu desfilava pela escola. Assim que nos vimos pela primeira vez, já aconteceu algo de diferente entre nós. Na verdade, foi fulminante quando nossos olhos se encontraram. Foi um verdadeiro encontro de almas gêmeas, ou melhor, um ‘reencontro’ de almas. Durante os ensaios da escola, ele cantava e olhava para mim e eu para ele. Até que se decidiu a me convidar para sair e fomos a uma discoteca e tudo começou aí.
DESDE ENTÃO, VOCÊS NUNCA MAIS SE SEPARARAM?
Exatamente, nunca mais nos desgrudamos um do outro. Nunca mais! Após o carnaval, ele voltou para São Paulo chorando muito dizendo que iria sentir a minha falta. Logo eu fui a São Paulo e ele me apresentou à mãe e à família toda que me aceitaram com carinho. E nosso relacionamento ficou sério. E nosso casamento foi um namoro que durou 30 anos. Sim, um namoro bem prolongado. A vida toda nossa paixão foi forte. Eu diria até que, ainda é muito forte.
COMO OSCAR SE INGRESSOU NA CARREIRA ARTÍSTICA?
Dono de uma bela voz, aos 17 anos foi contratado como cantor pela TV Record com carteira assinada, na época do empresário Paulo Machado de Carvalho. Porém, até então ninguém sabia do seu talento como imitador. Sendo muito jovem, Oscar era brincalhão e começou a fazer imitações pelos corredores da emissora cantando para os colegas que ficavam admirados com a semelhança com que transmitia outras vozes. Assim, ele foi descoberto pelos empresários e diretores de rádio e televisão como imitador. Além da TV Record, Oscar trabalhou na TV Tupi onde, também, fazia muitas brincadeiras e ficou conhecido pelo talento em reproduzir tantos tipos de vozes com facilidade e perfeição. O mais interessante é que ele nunca estudou música, mas tornou-se muito bom no que fazia. Daí, ele somou duas funções como artista: ‘cantor e imitador das mil e uma vozes’. Não que ele fizesse mais de mil vozes, mas fazia mais de 150, inclusive de cantores internacionais. Tinha um dom que não havia como negar.
DE ONDE ELE ERA E O QUE FAZIA ANTES DE SE TORNAR ARTISTA?
Oscar nasceu na cidade paulista de Novo Horizonte no seio de uma família abastada em que o avô materno era fazendeiro. Mas, ainda pequeno, foi com a família para São Paulo. A mãe dele, quando jovem, havia estudado na capital paulista e era uma senhora muito culta. Gostaria de dizer que ela, quando me conheceu, acatou-me como nora de modo muito amoroso. Eis uma pessoa de quem sinto grande saudade e me faz muita falta na vida. Oscar nunca exerceu outra profissão a não ser a de cantor. Só fez o que mais amava: cantar, cantar e cantar.
COMO ERA OSCAR NO DIA A DIA?
Ele foi uma criança grande. Era uma pessoa sempre alegre e vivia cantando dentro de casa. Dotado de muita positividade e dono de um grande coração. Adorava ajudar as pessoas. Muitas vezes me levava com ele para visitar orfanatos onde se deitava no chão para brincar e rolar com as crianças. A criançada o fazia de ‘gato e sapato’. Oscar também cantava para elas. Realmente, repito, ele era uma criança grande. Era a alegria em pessoa. Por ser assim, cheio de alegria, foi muito querido, admirado e respeitado por outros artistas como Hebe Camargo, Luiz Ayrão, Vanusa, Joelma e tantos outros. Saíamos frequentemente em turmas nas noites paulistanas. Ele era mesmo querido por muitos.
CITE UM MOMENTO ENTRE VOCÊS O QUAL VOCÊ CONSIDERA DE MODO ESPECIAL.
Todas as manhãs, quando eu estava na cozinha preparando o café da manhã, ao despertar, Oscar gritava do quarto: “Paixão, eu te amo!”. Imediatamente, eu lhe respondia: “Eu também te amo!”. Passando meia hora, ele me perguntava: “Paixão, hoje eu já disse que te amo?”. Eu dizia que sim e ele dava graças a Deus por nos amarmos. Era uma atitude muito ‘melosa’ a qual, quando havia pessoas por perto, eu precisava chamar a atenção dele para não me abraçar tanto publicamente porque me sentia meio constrangida. Mas os amigos já estavam acostumados e nos chamavam de ‘Casal Vinte e Um’, em alusão à série de tv ‘Casal Vinte’. Nós não nos separávamos dia algum. Eu o acompanhava em todas as viagens e shows. Ele fazia questão da minha presença ao lado dele. Foi um marido cavalheiro e maravilhoso. Um homem difícil de descrever, pois, não se encontra outro igual. Tanto que, enviuvei há 24 anos e nunca mais aceitei ninguém ao meu lado.
MAS NEM TUDO FORAM FLORES NA CARREIRA ARTÍSTICA DO OSCAR. CITE UMA EXPERIÊNCIA DESAGRADÁVEL.
Houve uns empresários que o enrolavam e não o pagavam pelos shows que ele fazia. Muitas vezes pagavam, mas não tudo o que ele tinha o direito de receber. Esse tipo de aborrecimento ele teve muitas vezes. Ele foi vítima, também, de muitas ‘puxações de tapete’ por parte de colegas que, depois de ele ser chamado para fazer um show, apresentavam-se aos organizadores dizendo que cobrariam bem menos. Assim, Oscar perdeu algumas oportunidades por conta da falta de ética de alguns artistas. Outro fato foi que, quando não estava se apresentando, Oscar e eu assistíamos a outros shows e ele era muito bem recebido pelos artistas e era sempre convidado a subir no palco para dar ‘uma canjinha’. Ele era muito querido pelos artistas. Um fato aborrecido foi com relação à cantora e compositora Roberta Miranda que sempre estava em nossa casa. Oscar e ela compunham muito juntos. Oscar foi diretor artístico, durante três anos, de uma casa noturna no bairro nobre de Moema conhecida como ‘Caixa Postal’, em São Paulo. E sempre que a Roberta Miranda estava neste lugar, ele permitia que ela subisse ao palco e apresentasse suas músicas. Na época ela ainda não era muito conhecida. Contudo, após a morte do Oscar, peguei as cinquenta músicas que ele deixou no papel e procurei por Roberta, já então muito famosa, para que ela pudesse ajudar a gravar suas composições. Porém, inexplicavelmente, ela não me atendeu, ou seja, não me recebeu em sua casa. Pensar que sempre a recebi de braços abertos em nosso lar. Mas fazer o quê? Mas a realidade é que o Oscar, com seu coração imenso, contribuiu muito para que Roberta se tornasse uma artista famosa e ela sempre pôde contar com ele para divulgar seu trabalho. Não foi somente a Roberta Miranda que Oscar ajudou. Muitos receberam seu apoio. Segundo meu marido costumava dizer: “o sol é para todos”. E no momento em que mais precisamos, muitos desses a quem ele ajudou (não vou ficar citando nomes), durante o período em que ele ficou doente sem poder sair de casa, sequer foram ao menos lhe fazer uma visita e lhe dar uma força para enfrentar a enfermidade, mesmo eu ligando e pedindo para que fossem conversar com eles, uma vez que Oscar amava os amigos e ter a presença deles iria lhe fazer muito bem.
AINDA HÁ MUITAS MÁGOAS DESSES AMIGOS?
Da minha parte havia muito sim. Mas hoje tudo passou. O que valorizo hoje é somente tudo de bom que o Oscar fez em vida e o grande homem que ele foi e um artista tão talentoso. Oscar só me deixou boas lembranças. Seus restos mortais foram sepultados no Cemitério da Consolação, no mausoléu da família, ao lado da sepultura da pintora Tarsila do Amaral.
MAS AS ALEGRIAS FORAM MAIORES. CONTE UMA DELAS.
Sim. Certa vez, tivemos de mudar para o Rio de Janeiro porque o Oscar foi contratado pelo diretor Mauricio Shermann para participar de um show na casa noturna Scala Rio, cujo local comportava mais de duas mil pessoas e era muito frequentado por turistas de todos os lugares do mundo . Oscar foi escalado para cantar durante uma hora antes do espetáculo Golden Rio todos os dias da semana.
A performance de Oscar levava o público á loucura. As pessoas chegavam a subir no palco para se aproximar dele e o presenteavam muito. Oscar imitava mais de 150 vozes com perfeição, inclusive Frank Sinatra que foi considerado um dos maiores cantores do mundo. O entusiasmo da platéia diante da voz de Oscar era mesmo muito vibrante. O luxuoso lustre do Scala Rio chegava a estremecer devido aos agudos emitidos por ele. Os agudos de sua linda e potente voz fazia o lustre do Scala Rio estremecer. O empresário Chico Recarey dizia que um dia o lustre ainda iria acabar caindo sobre as pessoas. E foi o Recarey quem nos cedeu um apartamento para morarmos naquela época no Rio, pois, tornou-se muito cansativo irmos a voltarmos todos os dias mesmo sendo de avião para que o Oscar pudesse apresentar o seu show. E o contrato era longo: seis anos!
Foi, de fato, uma época muito boa para a carreira do meu mariro. Oscar participava de shows nas casas noturnas mais famosas e conceituadas do país como: ‘Canecão’(Rio de Janeiro), ‘Viva Maria’(São Paulo), ‘Tom Brasil’(São Paulo), entre outras.
QUAL O CANTOR QUE ELE MAIS GOSTAVA DE IMITAR?
Oscar amava Johnny Mathis, o qual se tornou seu maior ídolo. Mas ele imitava outros grandes da música nacional e internacional de forma impecável como: Ray Charles, Al Johnson, entre outros. Tanto Johnny Mathis quanto Ray Charles, quando vieram se apresentar no Brasil, convidaram-no para dar ‘uma palhinha’ ao lado deles durante seus shows. Guardo, até hoje, uma lembrança de Johnny Mathis, que era muito amigo de Agostinho dos Santos que, por sua vez, era nosso grande amigo e frequentava muito a nossa casa. É um disco autografado que Johnny Mathis presenteou o Agostinho. Só que o disco estava em nossa casa quando, em julho de 1973, o avião que transportava o Agostinho caiu próximo ao aeroporto de Orly, em Paris, causando a morte de 122 pessoas, inclusive a do nosso amigo. Assim, o disco permaneceu conosco e eu guardo esse long play gravado por Johnny Mathis cantando as Bachianas de Villa Lobos. Importante ressaltar que esse disco não foi lançado no Brasil. É mesmo uma raridade a qual qualquer bom colecionador gostaria de adquirir. E como atualmente estou passando por uma difícil situação financeira, não me constranjo em dizer que o disco está à venda e estou no aguardo que alguém possa se interessar.
Importante esclarecer que Oscar durante a vida ganhou muito dinheiro. Porém, com a sua doença, tivemos muitos gastos e nada me restou após sua partida. Hoje, aos 67 anos, conto com o apoio de minhas irmãs que me dão abrigo em suas casas. Mas tenho fé de conseguir uma casinha popular em Guaxupé.
SENDO ASSIM, FALE UM POUCO DE SUAS LUTAS.
Ah, as lutas foram tantas... Foram incontáveis. Hoje, quando olho para trás, logo penso: “meu Deus, como eu consegui passar por tudo?”. Sim, foi somente podendo contar com a força de Deus que eu pude enfrentar. Tivemos uma filha, a Marizi, que veio a falecer poucos minutos após o nascimento. Hoje, ela estaria com 48 anos. Essa foi a prova mais dura para nós dois. Graças ao amor que tínhamos um pelo outro é que pudemos suportar tamanha perda. A própria enfermidade do Oscar (distúrbios da hipófise), foi uma grande luta para mim. Mesmo jovem (ele faleceu aos 56 anos), a doença fazia com que aparentasse muito mais idade, pois, aos poucos, sua fisionomia foi se transformando. Foi muito sofrido assistir a deformação daquele rosto lindo. Para ajudar em nossa sobrevivência, no período em que antecedeu a sua morte, precisei fazer salgados para fora. E não é que meus salgadinhos eram encomendados até pelo pessoal do Palácio do Governo? Isso porque, o Oscar por muitas vezes foi convidado a se apresentar em eventos na época em que o governador do estado era o Mário Covas. Acabei fazendo amizade com vários funcionários dos gabinetes a quem pude oferecer meus quitutes. Todos diziam que adoravam o que eu fazia e encomendavam centenas de salgados para serem servidos durante audiências no Palácio. Havia um pastel de forno que fazia muito sucesso. Consegui, então, autorização especial para poder vender e entrar nos gabinetes. E há um detalhe importante! Eu trabalhava sozinha. Foi a mão de Deus mesmo que me ajudou naquele momento difícil da nossa vida. Assim, Oscar e eu conseguíamos pagar nossas contas, uma vez que ele não tinha mais condições de cantar e tampouco se apresentar em público.
VOCÊ VIVERIA TUDO OUTRA VEZ AO LADO DELE?
Sim. Apesar das dores foi uma vida maravilhosa ao lado dele. Viajamos muito e conhecemos lugares lindos, tanto no Brasil quanto em outros países. Meu companheiro só me fez bem na vida e me tornou muito feliz. Graças a ele conheci grandes nomes do meio artístico como, por exemplo, Sergio Reis que esteve há pouco tempo em Guaxupé. Mesmo eu estando mudada e com os cabelos brancos, do alto do palco Sérgio me reconheceu no meio da multidão e cantou me jogando beijos e colocando diversas vezes a mão sobre o coração. Até que, o assessor da prefeitura, Paulo Rogério, veio até mim e disse que, a pedido do cantor, era para eu ir esperá-lo no camarim. Foi um reencontro emocionante com o Serjão e sua esposa que também se lembrou de mim. Choramos muito e Sérgio só me falou coisas maravilhosas sobre o Oscar chamando-o de irmão e reconhecendo seu valor como colega e artista. Revivemos momentos muito significativos sobre o Oscar. Portanto, eu posso falar e afirmar que conheci e tive e continuo tendo um amor verdadeiro. Por essa razão digo que entre o Oscar e eu aconteceu um reencontro de almas gêmeas. A ele só tenho o que agradecer. Tenho convicção de que, no lugar onde está, olha muito por mim. Confesso que ficar sem o Oscar foi uma perda totalmente irreparável. Inicialmente eu visitava todos os dias sua sepultura. Uma busca inútil de sua companhia. Tanto que, há anos que não vou mais lá. E foi graças ao trabalho que eu consegui sair de uma forte depressão. Fiz de tudo para superar a tristeza pensando no quanto ele gostaria que eu ficasse bem. Lutei contra mim mesma. Não me esqueço dele um dia sequer, mas por amor a ele eu superei a imensa dor. Flávio Cavalcanti sempre nos convidava para jantar em seu apartamento no Jardim Europa e dizia: “Oscar, a maior riqueza do mundo é esse amor que eu vejo entre você e a Izildinha”. O apresentador passava horas pesquisando cantores para passar para o Oscar a fim de que ele pudesse ensaiar e imitá-los com uma perfeição ímpar.
Nota da Revista: A pedido da própria Izilda Varriano, as palavras abaixo foram acrescentadas à entrevista: “Rosângela, no lugar onde está, tenho certeza de que Oscar está muito feliz por essa oportunidade de eu poder contar um pouco sobre a nossa história. Está feliz, também, por alguém como você ter se lembrado dele revivendo sua vida nesta matéria. Obrigada a você e à Revista Mídia por mostrarem quem ele realmente foi e que há de permanecer para sempre nas lembranças e nos corações de todos os que tiveram a divina bênção de tê-lo conhecido. Obrigada amiga.” (Izilda Varriano)
Que história linda. Adorei a leitura.